Mandi: No cárcere ll


                                                     Samuel Congo da Costa  Nº05
                                                         





Uma das mais formosas borboletas ,nascem nos galhos do limoeiro, 


Em seu ciclo de mutação ninguém suporta seu cheiro.


Os mais belos pássaros que encontramos no sertão,


Ninguém pega nas mãos!


Os felinos gigantes estão junto aos elefantes! 


Longe, muito longe, 


Onde encontramos os reis negros dos horizontes Estas são algumas belezas da natureza...


...que o homem branco com seu orgulho destrói sem realeza! Sem saber das suas riquezas


João Carlos Pereira.







Para Renan Fillipi da Costa.                                                                                                    


O sol abrasador, sobre a cabeça ajudava a demolir o mito do sul gelado e chuvoso. Missal estava bem alinhado, de terno e calça de cor preta, gravata vermelha, sapatos pretos bem engraxados. Usavam também óculos de grife e um broche da ordem dos advogados na lapela. Segurava uma maleta zero, zero, sete, e se perguntava diversas vezes para consigo mesmo, como teria parado ali naquele fim de mundo. ‘’Início de careira é isso ai mesmo, a gente encara cada coisa’’, já ouvira isso diversas vezes, assim que entrou na faculdade, e assim que sai dela também. Ao estacionar o carro diante da delegacia, um prédio quase em ruínas, não estranhou o fato de um cabo da policia militar, estar fazendo a sentinela. A sentinela estava, sentado em uma cadeira de vime, uma arte Xocleng com toda certeza, Missael a reconheceu assim que, pois aos olhos nela. O cabo de olhos verdes, pele clara queimada pelo sol, era baixo e gordo, parecia um personagem saído de um filme antigo, logo pensou Missael. O cabo o vê, e levanta-se rápido, Missael pensou que ele iria bater os cascos quando esse aproximou do policial militar. 


— Doutor! ’’Me avisaram’’ que o senhor vinha...o prisioneiro está lhe aguarda, na cela!


— Quero falar com o delegado primeiro, trouxe o Habeas Corpus, quero ver o meu cliente fora dessa delegacia agora. — O advogado falava com todo vigor, mas não sabia se estava agindo corretamente, gastando aquele palavrório todo com uma simples sentinela. Mas o seu instinto estava lhe dizendo para agir desse modo. Uma coisa que o seu velho pai, Aristo, e seu avô viviam lhe dizendo, para seguir os seus instintos. Coisa que fazia parte da natureza de ambos foi assim, que eles sobrevieram por tantos anos. Apesar de muitos desejaram ao contrário. 


— O delegado de plantão não está, na verdade passou mal e foi ‘’pro’’ hospital hoje no início da manhã!Mas estou instruído para soltar o preso, assim que o senhor chega-se como os papéis de soltura. 


Missael fez um esforço para não rir diante do cabo, era mais fácil do que ele pensava que seria. O próximo passo era seguir com coisa toda, e Missael lhe entrega o Habeas Corpus. O cabo lê o documento, Missael teve a impressão que o cabo não sabia ler. O próximo passo era entregar a maleta, para o cabo lhe fazer a revista, antes de entrar na delegacia. O mesmo se assusta como o ato do advogado.


— Não precisa doutor, pode entrar!

Ao adentrar no prédio, ladeado pelo militar, Missael leva um susto, o mesmo era pior por dentro do que por fora. Pintura descascando, móveis enferrujados, material de limpeza espalhados pelo chão, umidade e mofo em toda parte. Missael teve a impressão, que não havia mais ninguém no prédio. O que poderia ter feito o cabo para parar em um lugar decadente como esse. Missael pensou em perguntar, mas ficou calado, não sabia como aquela figura folclórica iria reagir a uma pergunta desse tipo: - Deus! Esse corredor parece que não ter fim- Diz Missael para si mesmo.


— Sabe de uma coisa doutor, eu gostei do senhor...eu gostaria de dizer uma coisa pro doutor, se o senhor permita tal intimidade... — Nesse momento Missael bem queria que o cabo ficasse calado, mas achou melhor ficar com os ouvidos e olhos bem abertos, tinha que ouvir o militar. Tinha que ouvir, o que aquela figura cômica tinha para dizer, seu alarme estava disparado, Missael estava em alerta total, desde que aceitou aquele caso. E a frase muitas vezes proferida pelo seu pai, lhe invadiu a cabeça com toda a força naquele momento: ‘’— Meu filho, antes de tudo procure entender as pessoas, e só assim meu filho, vás encontrar o teu lugar nesse mundo. Senão compreenderes as outras pessoas, não te compreenderas a si mesmo.’’Como Missael gostaria de se livrar daquela figura lendária, de uma vez por todas, como aquela figura mitológica o angustiava. Missael ficaria contente em ter um pai de carne e osso e não um mito como progenitor.


— Pelo que posso ver o senhor é janopês...estou certo? — Dize isso enquanto segurava o braço do advogado, forçando-o a parar de andar. Missael preferiu o silêncio, como resposta, para aquela pergunta constrangedora. Em um relance pensou nas histórias que seu avô contava quando ainda era uma criança. De como há séculos, os Macuxis invadiram as áreas de pesca e caça dos Wapichanas. Os Macuxis vieram do norte expulsos pelos espanhões, vieram disputar espaço com a tribo dos Wapichanas, a tribo de Missael. Foram séculos de disputas sangrentes, até por fim a paz reinar, entre as duas tribos. Mesmo assim, resentimentos de vez em quando viam à tona, afloravam de tempos em tempos. Agora vinha esse homenzinho com uma conversa racista.


— Sabe doutor, vim parar aqui no meio dessa indiarada preguiçosa e ordinária, porque briguei com um coronel que queriam porque queriam que obedecesse. Um coronel negro sabe, se meu pai ‘’tive-se’’ vivo para ver uma coisa assim, um negro mandando em mim. Acho que ele morria na hora doutor. Daí sabe doutor, me mandaram pra cá, pra esse inferno de lugar, quente igual o cão. — Missael percebeu nos olhos do militar, um tom desesperado. Ele queria que o jovem e influente advogado, o ajudasse a sair desse lugar, e voltar a conviver com as pessoas ditas ‘’civilizadas’’.


— O que posso fazer pelo senhor cabo... — Missael olha e lê, no uniforme do militar, e só agora da conta do nome ‘’do infeliz’’— Cabo Van Peter...o que posso eu faz pelo senhor? 


— Sei que o senhor é uma pessoa distinta, só quero sair ‘’desse’’ lugar dos infernos, e ver a luz do dia ‘’di’’ novo...só isso doutor Da Maia. 


Missael tira os óculos do rosto, para encarar a sentinela bem nos olhos, não sabia onde estava se metendo, mas de uma coisa ele sabia, que os corredores escuros como aquele, exigem olhos bem atentos, mente aberta e um senso de oportunidade que não é para qualquer um.


— Quando me encontrar com o coronel Alencastro novamente, eu vou falar do seu caso para ele. O coronel é uma pessoa razoável, pode rever o teu caso, ele é uma boa pessoa e muito amigo do meu pai. Foi com ele, que o senhor se desentendeu não foi? — O advogado pensou nas longas conversas com coronel Alencastro e Aristo, eram longas conversas, geralmente regadas a vinho, cerveja e às vezes chimarrão, coisa que o pai de Missael só aprecia com a companhia o coronel, para alguma coisa aquela amizade poderia ser útil afinal de contas. Aristo vivia dizendo que Alencastro era muito parecido fisicamente e no jeito de ser com seu antigo comandante, quando ainda servia na guerrilha angolana. Aristo às vezes se comportava como se fosse um soldado na presença do coronel.


— Obrigado doutor, muito obrigado! — O cabo ficou impressionado com as palavras do advogado, mesmo assim achou estranha a amizade do pai de Missael com um negro, mesmo que fosse um coronel. Van Peter se esquece de quem é de onde estava, e beija ambas as mãos de Missael. Missael pensa estar em uma cena de filme, uma comédia qualquer, era patético a atitude do militar.


— Cabo Van Peter...aonde fica a cela do meu cliente? — Diz Missael ao retirar as mãos de forma brusca, se livrando do assédio constrangedor do militar.


— Fica bem ali! — aponta a sentinela para uma cela a poucos metros de ambos, Missael estranhou a luz, que emanava do lugar apontado pelo cabo. A sentinela fica parada enquanto o advogado caminhava, Missael só notou a falta de Van Peter quando chegou à frente da cela. 


— Cabo?Abra a cela, por favor! — Era evidente a irritação na voz de Missael, com Van Peter a poucos metros dele. Missael pode notar o olhar petrificado do mesmo. Estavam estáticos, em algum lugar que Missael não identificou bem onde.


— A cela está aberta doutor, se o senhor quiser conversa com o ‘’meliante’’ o senhor pode usar a sala do delegado. Ele autorizou, se o senhor quisesse falar com o meliante em outro lugar.


Missael não gostou da tom de voz do militar, mais parecia a de uma criança assustada. Mas o que mais irritava, o advogado, era essa coisa tudo, uma irregularidade atrás da outra. Na verdade só queria tirar o seu cliente dali bem rápido e voltar para o litoral o quanto antes. Não viera para aquele lugar para fiscalizar qualquer irregularidade que fosse. Bastou uma olhada para dentro da cela e uma sensação estranha, toma Missael de assalto. Ver aquele índio deitado na cama, de costa olhando para a parede, Missael teve a impressão de já ter vista essa cena antes. Um passado não muito distante, e gritos de desespero e dor vieram juntos como uma torrente. Missael abre a cela, sem dificuldade alguma, e se perguntou como ele ainda não fugiu de um lugar como aquele, o que o prendia de fato ali. As barras estavam enferrujadas, como podem deixar as coisas chegarem a esse ponto. De repente Missael sente uma estranha presença, e uma estranha sensação de querer estar armado passa pela cabeça. Da Maia queria uma arma para poder se defender, de uma coisa que ele não sábia bem o que era, não queria estar vulneral como estava naquele lugar. Alguma coisa estranha pairava no ar, era angustiante estar ali. 


— José Maria...


— Mokanã...é esse o meu nome primo! — O Xocleng nem se deu ao trabalho de olhar para Missael enquanto proferiu essas palavras.


— Primo? Não sou seu parente... — Missael então percebe o que se passava ali — ...sou do norte, nasci longe daqui, mas quem te contou quem sou Mokanã?


— E isso importa?


— No pé que está à coisa, isso não importa mesmo! Consegui a tua liberdade provisória, mas creio que vá passar um tempo no presídio agrícola por uns meses apenas. ‘’Me diz’’ uma coisa primo, por que atirasse naquele homem desarmado afinal de contas?


Mokanã virasse para olhar Missael de frente, o olhar do Xocleng deixa o advogado sem palavras. Jamais vira um olhar daquele em toda a vida.


— Aquele chucrute maldito, veio com uns vinte homens, tomaram o nosso gado. Quando foi buscar de volta, eles devolveram, mas quando todo o gado já estava de volta na aldeia, aquele ‘’palmito’’ dos infernos quis bancar o engraçadinho, e sacou a arma da cintura. O que eu poderia fazer? Desarmado, essa é boa? Acho que ele de ver o pior atirador do mundo, por isso não estou morto, e ele não está morte porque eu não quis! 


— Não tem nada disso nos autos do processo nem no inquérito, que eu li! — Missael não disse nada sobre o fato do homem, que era de descendência italiana e não teuta, mas para aquele índio, era a mesma coisa pensou Missael. Branco é um branco, e se comportam da mesma maneira o descobrimento. 


— Quando vou sair daqui?


— Agora mesmo, mas que cheiro forte é esse...florada de mangueira? 



Samuel Costa é contista em Itajaí -SC 





Nenhum comentário:

Postar um comentário